A Guerra na Ucrânia — “O Plano de Adesão à UE da Ucrânia é uma pílula suicida para uma UE desesperada”.  Por Martin Jay

Seleção e tradução de Francisco Tavares

8 m de leitura

O Plano de Adesão à UE da Ucrânia é uma pílula suicida para uma UE desesperada

 Por Martin Jay

Publicado por em 17 de Junho de 2022 (original aqui)

 

Estará a UE sequer por perto, quando a Ucrânia preencher os critérios rigorosos para aderir ao clube de Bruxelas?

Pode levar uma década até a Ucrânia aderir ao clube da UE, mas Macron e outros estão optimistas quanto à Ucrânia se tornar um Estado membro da UE, antes de uma votação chave por todos os 27 estados-membros em Bruxelas. Na realidade, a grandiosa, se não desesperada jogada empurrada pelo presidente francês, não vai passar já que pelo menos três estados-membros já disseram que não a apoiarão. Mas qual é a verdadeira história por detrás deste plano algo banal para fazer da Ucrânia um membro da União Europeia? Haverá uma agenda escondida?

Claro que há. É simplesmente que, em 2028, Macron está a ser muito bem considerado para gerir a UE. Nesse ano, dois cargos de topo ficarão vagos em Bruxelas – Presidente da Comissão Europeia e Chefe do Conselho de Ministros Europeu – e ele é uma escolha óbvia para aceitar um deles. O sonho de Macron é que antes disso, a França assuma um papel de liderança – se não o papel principal – dentro da UE e que a chamada “política externa” do bloco seja mais ou menos dirigida por ele e pela sua equipa. Então, qual é a ligação?

Em resumo, federalistas como Macron sonham com uma UE que ultrapassa o seu peso e, apesar do Tratado de Maastricht em 1992 e do Tratado de Lisboa em 2007, os esforços da UE para conquistar mais poder dos estados-membros em direcção a Bruxelas não serviram de muito em termos práticos. No papel, a UE tem um peso considerável no circuito internacional em termos de manutenção da paz e de questões humanitárias. Sabe, este tipo de coisas.

Mas, em termos reais, sempre que a UE quer avançar com algo importante, logo no último momento, os próprios estados-membros abstêm-se de premir o botão e bloqueiam o movimento. Isto explica porque é que apenas algumas semanas após a guerra da Ucrânia, o próprio Macron foi pessoalmente visitar Putin, enquanto que o máximo responsável da diplomacia da UE, Josep Borrell, incrivelmente aborrecido, foi a Washington para dar uma conferência de imprensa conjunta com o seu presidente dos EUA de esquerda. Isto diz-lhe tudo o que precisa de saber sobre os verdadeiros poderes dentro da UE quando se trata da cena internacional. O chefe máximo da política externa da UE não foi a Moscovo, pois provavelmente Putin não o teria recebido, pois, para ser justo, Borrell não tem realmente muito a dizer e nenhum poder real para fazer o que quer que seja.

Mas tudo isso poderia mudar se Macron conseguisse convencer um punhado de líderes dos governos da UE – e mesmo alguns não da própria UE como o Reino Unido e a Turquia – a aderirem ao seu novo e arrojado plano de um pacto de segurança que seria mais ou menos uma aventura da UE, mas dirigido por ele e que certamente teria no seu coração um exército da UE. Líderes federalistas como Macron acreditam firmemente que o caminho para que um projecto falhado como o da UE ganhe mais poder não é através das urnas mediante a implantação de um modelo de governação impressionante. Oh não. O que eles acreditam ser a única forma de ter mais poder é tomá-lo. E isto está no cerne do que é isto do exército da UE. Tomar mais poder, ser visto como mais relevante, dominar as primeiras páginas dos jornais – e certamente aqueles que estão no seu bolso de qualquer forma como o FT e o Economist – e agir como um verdadeiro jogador, um lutador.

O que há de errado nisso? De facto, muito. A UE não tem qualquer experiência em tal papel e seria muito arriscado que se esforçasse por ser uma superpotência, especialmente quando é tão propensa a acidentes e susceptível de atingir uma série de obstáculos para se envolver em conflitos internacionais para alimentar o seu fascínio quase sexual pela guerra. Dado o historial do euro, do Brexit, do Covid e uma série de outras políticas falhadas, deveria realmente ser permitido avançar e ter um exército que Macron comandaria e enviaria para lugares que promovessem os interesses da França, eh… perdão, os interesses da UE? Evidentemente, isto seria uma loucura absoluta e poderia conduzir a uma guerra mundial se uma destas operações desse para o torto.

E é aqui que entra a Ucrânia. A política do Ocidente até à data não é pensada e não pode sustentar a quilometragem envolvida numa guerra de desgaste que poderia durar alguns anos. Cada vez mais dinheiro é desperdiçado em armas, a inflação dispara nos países da UE, os custos de combustível duplicam enquanto as economias entram em espiral. E tudo isto como resultado directo das sanções contra a Rússia. Alguém não tinha qualquer planeamento a longo prazo ou um plano de contingência. Se a própria UE tivesse assumido o controlo, supomos que o pensamento e a estratégia seriam ainda mais mal concebidos, mas a uma escala muito maior.

Desde a perspectiva da Rússia, um exército da UE, que seria considerável em tamanho e bem equipado, constituiria uma ameaça maior do que a confusão actual do Ocidente que apenas envia hardware, que na realidade está provavelmente a ser vendido no mercado negro que, por sua vez, alimenta a máquina militar de Putin. O Ocidente não só está a perder a todos os níveis, mas a uma velocidade considerável e é apenas uma questão de meses até que as realidades do seu imprudente ardil para atacar Putin sejam universalmente vistas pelos seus eleitorados, antes que todo o esquema desorganizado seja visto pelo que é. Ironicamente, Macron está a pensar em grande. E ele está a pensar a longo prazo. Mas a ideia de que ele dirige a UE e tem um exército composto por um bom número de países da UE, juntamente com o seu equipamento, deveria tirar-lhe o sono, caro leitor. Daria ao seu filho de quatro anos sozinho em casa uma lata de cheia de gasolina, uma caixa de fósforos e esperaria que a sua casa se mantivesse de pé? Em poucas palavras, realmente isto é do que se trata nisto do voto a favor da adesão da Ucrânia. É uma autêntica loucura.

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O autor: Martin Jay é um premiado jornalista britânico baseado em Marrocos, onde é correspondente do The Daily Mail (Reino Unido), que anteriormente relatou a Primavera Árabe para a CNN, bem como para a Euronews. De 2012 a 2019 esteve baseado em Beirute onde trabalhou para uma série de títulos internacionais de media, incluindo BBC, Al Jazeera, RT, DW, bem como reportagens numa base freelance para o britânico Daily Mail, The Sunday Times mais TRT World. A sua carreira levou-o a trabalhar em quase 50 países em África, no Médio Oriente e na Europa para uma série de importantes títulos mediáticos. Viveu e trabalhou em Marrocos, Bélgica, Quénia e Líbano.

 

 

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